quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Cena 7 - Minha nada coerente vida

A vida da nossa tão abrangente classe média já é, sem auxílio externo, uma grande contradição. Metade das pessoas que eu conheço vivem quebradas, mas comem fora em todas as oportunidades. Quem precisa de casa própria se você pode comprar uma televisão de 210 polegadas e tela tão plana que deve ser mantida na horizontal porque senão a imagem desliza? Dez vezes quase sem juros. São as incoerências e peculiares administrações financeiras da vida.

Minha participação nessa sociedade é bastante agravada pelo meu ambiente de trabalho. Aqui, quando meu expediente é estendido devido a algum evento, eu como camarão e vitela: na cozinha. Outro dia estava traduzindo um artigo baseado no discurso de um ministro britânico em visita ao Brasil. Durante o processo comecei a mergulhar no glamour do momento, a confiança que haviam depositado em mim, o artigo sendo publicado no dia seguinte, em nome de uma autoridade do mundo desenvolvido. Mas meus pensamentos foram interrompidos quando tive de sair da mesa correndo para dar lugar ao estagiário, que ocupa minha mesa na parte da tarde. De meu aqui, só o trabalho.

O auge dessa sensação me veio em uma quente tarde de julho. Estava há meses participando ativamente da organização da visita da Princesa Real britânica ao nosso querido Mulato Inzoneiro. O dia correu como planejado, todos os eventos em perfeita cadência, culminando em uma pequena reunião com os funcionários para finalmente termos a chance de falar com a filha da Rainha Elizabeth II (ou, o que me parece mais importante, tia do Príncipe William). Quando chegou a minha vez, o Embaixador me apresentou como "a temporária que está sempre aqui" e ela fez alguma brincadeira igualmente engraçada. Em algum nível do humor britânico esses comentários divertem surdos e puxa-sacos. Estendeu a mão e nos cumprimentamos. Foi interessante, não sei se algum dia terei a oportunidade de conhecer outra pessoa que use uma coroa e não esteja saindo do Burger King. Alguns minutos depois, caminhei 20 minutos sob o sol vespertino até a parada (de salto e terninho), subi no ônibus, e liguei para minha mãe para contar tudo isso. Imagino que as pessoas que estavam me vendo em pé em um ônibus lotado em movimento, tentando me equilibrar enquanto segurava minha bolsa com uma mão e o celular com a outra, devem ter pensado que a próxima coisa que eu iria contar é que havia dançado a valsa com o Bill Clinton.

Enfim. Vou-me. Acabei de conhecer mais um ministro britânico que aparentemente vai mudar alguma coisa importante no mundo ou pelo menos o cardápio do almoço. Mas eu tenho de ir, porque nos restaurantes que eu posso pagar, se não chegar cedo o feijão acaba.

8 comentários:

Unknown disse...

Essa nossa vida é de escravo da Casa Grande... Mas é divertido ser quase rico quase pobre! Aliás, a vida de quebrado é sempre uma aventura, mas a provisão de Deus não falta.

beijos, ricardo

Marcia disse...

São essas contradições que enchem a nossa existência de graça, de diversão e de aventura!Melhor assim do que assistir a vida passar através de uma imagem amorfa de uma TV de 210 polegadas!
Bj vizinha!

Lê Cami disse...

Não há incoerência em se conhecer um membro da família real e ter de recorrer ao ônibus para nos movimentarmos: somos meros vassalos, plebeus, escravos (nem tão) brancos, trabalhadores e sofredores: assalariados.

Anônimo disse...

Hahahaha muito bom a parte da coroa...e todo o resto!! rsrs Essa nossa vida mais ou menos né?

Anônimo disse...

depois de muito tempo so olhando o blog e rindo sozinha decidi postar um comment hehehe, gostei do contraste dessa vida de pobre q jura ser rico,so me reforça a imagem do nosso pastor Edson goveia querendo ensinar o carro dele andar sem gasolina.

Marcia disse...

Estou em greve!
Considerando que o meu post é o mais recente ( com exceção do blog do Ricardinho), só escrevo novamente quando ler um post novo seu aqui!

Lê Cami disse...

Cara Tita,
Vamos lá! Escreva mais! Não só porque quero ler mais idéias que saem dessa cabeça maluquinha, como também pra encerrar a greve de produção "literária" da Márcia! hehehehe
Eu já fiz minha parte. Kd a sua?
Bj

Anônimo disse...

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