sexta-feira, 25 de abril de 2008

Cena 19 - Um final de capítulo

Meus caros leitores – caríssimos, nem sei se poderei continuar pagando-os depois de como este dia pretende terminar –, para a aula de hoje, convido-os a dar um mergulho na minha vida. Hoje, dia 25 de abril de 2008, sexta-feira, diz-se ser meu último dia de trabalho nesta Embaixada e, apesar de já ter havido outras despedidas seguidas por retornos – em diferentes cargos e contratos –, hoje parece definitivo… decisivo. Perseverei na estação enquanto havia a promessa do bonde chegar, mas ele finalmente passou e não parou para mim. O jeito é me aventurar na próxima estação. Então, acompanhem-me enquanto eu me despeço deste que foi o local onde eu aprendi a ser profissional quando só se quer ser humano, a trabalhar com requintes e continuar amando a simplicidade, a conviver, a funcionar sob pressão, a conversar enquanto digitava, a fazer oito coisas ao mesmo tempo, a crescer por necessidade e que você pode ser muito mais do que é se se deixar completar pelo conhecimento alheio.

Acordei atrasada por causa do ensaio de ontem. 7:40. Todo o tempo entre lavar o rosto, escovar os dentes e finalmente sair do quarto levou 18 minutos. Durante toda a semana meu pai veio de carona comigo, o que causava alguns atrasos (ainda não tinha conseguido encontrar um novo horário de saída eficiente), mas hoje não. Hoje eu estou sozinha, como era de costume. Vim ouvindo as músicas de sempre, no meu carro de sempre, pelo meu caminho de sempre. De sempre até hoje.

Estacionei na vaga de sempre, uma que fica sob as câmeras e sob a sombra. Só porque não é vaga paralela, ninguém nunca estaciona lá. O ser humano e suas peculiaridades. Entrei, Porta 1, bom dia para os guardas, Porta 2, os jardineiros se esconderam… e eu achando que ia poder levar o papo matinal regular, quando o Seu Valdemar me pergunta se eu fui à igreja ontem e se orei muito.

A Porta 4 e a 5 estão quebradas, tiveram de ser abertas e fechadas manualmente. Gosto de pensar que é a forma delas de protestar contra minha saída. Greve das portas automáticas. Elevador e prédio, tudo igual. Hoje é Casual Friday, as pessoas estão vestidas como se fossem sair daqui direto para as férias. Eu vou!

Esbarrei com a Juju, que é um dos maiores presentes que eu consegui na Embaixada. Na verdade, quem esbarra nela esbarra primeiro no Marcelinho, que tá crescendo tanto que a mamãe não consegue mais abraçar ninguém, só ele. Enche a tia de orgulho quando vem conversar comigo nessa linguagem feita de chutes e giros.

Resolvi sentar na minha própria cadeira, diante do meu próprio computador e ao lado da Ju. Nos últimos dias tenho sentado à mesa da minha chefe, que está de férias, para arrumar aqueles arquivos dos quais temos fugido há meses. Presente de partida. Mas hoje eu escolhi ficar aqui mesmo, com a minha própria vista para onde o sol bate atrás da pirâmide a que chamamos de Pavilhão, a fonte e algumas árvores com flores.

O movimento continua normal, não há nada que diga que hoje termina uma temporada do meu seriado. Retiro o que eu disse. A Ju me entregou uma carta e pediu que não a lesse até que fosse embora. Melhor não ler mesmo, vamos evitar a cena, estou sem fundo musical. Meu outro chefe também veio aqui, quer conversar comigo antes do fim da manhã. Droga. Cena na certa.

Todos saem. A Ju vai fazer uma ecografia, ou seja, tirar mais uma fotografia precipitada do meu sobrinho postiço. Minha lista de coisas a fazer: Limpar e-mails; limpar mesa; limpar pasta pessoal; limpar cookies do PC. E ops, lá vêm elas, as lágrimas. Copo de água, rápido! Água para desfazer o nó.

Acabei de receber um e-mail dizendo que as portas lá debaixo (4 e 5) não estão funcionando. Jura?!? Telefonema. Informações que, por enquanto, só eu posso dar. Mais uma prova de que o dia não terminou.

Reunião com o chefe. Como eu estou? Bem. Melhor. Fiquei triste, mas estou lidando com a situação. Olhos surpreendentemente cheios de lágrimas enquanto ele me diz que não há absolutamente nada de negativo em trabalhar comigo. Não sabe como está meu sentimento em relação aos meus colegas e ele. Espera que eu possa desvincular a instituição das pessoas. As lágrimas me convenceram. Hora da avaliação:

Gerenciamento de si mesmo, outros e recursos: Effective
Entrega de resultados: Strong
Foco no cliente: Effective/Pode melhorar
Resolução de problemas: Strong
Trabalho com os outros: Effective
Comunicação: Effective
Aprendizado e Desenvolvimento: Strong

Resultado: Strong Performance – Cumpriu com as principais exigências da função de forma satisfatória e excedeu a expectativa em algumas áreas.

Tradução: Não há nada de errado com o meu trabalho, eu só não sei fazer as pessoas que tomam as decisões verem isso.

Agradecimentos. Eu disse que saio agradecida por terem acreditado em mim e no meu potencial quando eu não tinha experiência alguma. É sincero.

Ao fim da reunião, já era hora do almoço, e me levaram a um lugar chamado Wrap and Roll, no Lago. Antes, porém, dei uma passada no banheiro e me encontrei com a nova copeira, que achou fácil lembrar de mim porque a filha dela se chama Natália e por algum motivo ela acha que o nome se parece com o meu. “Meu último dia, Dilma”; “Por isso você está assim quietinha. Não se preocupe, vai aparecer coisa melhor. Você é uma pessoa boa, nem precisei trabalhar muito tempo aqui para perceber. E pessoas boas sempre conseguem muito”. Quanta diferença não fazem certas palavras, quando vindas da pessoa certa.

Comemos bem (obviamente o prato da pessoa ao lado era mais gostoso do que o meu) e, para melhorar meu dia, tomei um smoothie de oreo!!! Acho que todos os meus problemas terminaram ali. Queria transcrever as conversas que preencheram o almoço, mas isso exigiria muitas páginas e causaria excesso de risadas. Melhor manter a solenidade do momento.

Ganhei presentes! Uma caixinha azul com um laço menos azul e um cordão prateado. Nada mais constrangedor do que alguém te dar um presente, você abrir e não ter certeza do que é. Era um anel lindo, com um pingente que me desejava Amor, Paz e Alegria. São boas coisas para se ter. Três cartões, um da minha chefe e dois comunitários. Muitos desejos de boa sorte e felicidades. Também boas coisas para se ter.

Mensagem mais engraçada (porém pertinente): Parece que estamos sempre nos despedindo de você. Espero que não seja a última vez. (tradução livre)

Mensagem mais inesperada: With many thanks and every success and happiness in the future (essa tinha de ser em inglês mesmo, porque veio da embaixatriz!!

Mensagens mais importantes: Despedidas são sempre difíceis – e neste caso, mais ainda. Desejo tudo de bom para você, e espero poder trabalhar de novo com você no futuro. Um beijo. Chefe 1.

Muito obrigada por toda a ajuda e apoio, mas acima de tudo, obrigada por sua amizade e sorriso sempre aberto. Mantenha sua fé e confiança em Deus, pois quando Ele nos fecha uma porta, muitas se abrirão para melhor. Chefe 2.

Difícil e triste escrever neste cartão. Mas você sabe muito bem que os seus amigos a amam e só desejam seu sucesso. Beijo grande. Recepcionista.

Obrigado pela simpatia constante e por ser a pessoa que melhor consegue espantar meu sono na hora das revisões técnicas. Te desejo muito sucesso e que a gente se encontre de novo, e com freqüência. Estagiário.

Mensagem da Dilma: Oi. Lhe conheço à pouco tempo mais tenha certeza que vou lembra sempre que eu chamar a minha filha. Jesus te ama e eu também.

Mais palavras doces ao vivo, falando de saudades.

Na volta, ganhei a outra parte do presente, um par de brincos que eu mesma pude escolher. Já tenho o que vender caso não consiga um emprego. Brincaderinha. Esses ficam. Voltei para a minha mesa e, depois de fazer minhas últimas traduções usando aquele teclado, passei à estranha tarefa de me eliminar dali. Fiz uma limpeza na minha mesa, na minha pasta pessoal e caixa de e-mail, não antes, é claro, de enviar tudo o que era importante para mim mesma. Papéis jogados fora, restos de biscoito dos lanchinhos nossos de cada dia, livros e dicionários devolvidos a seus devidos lugares. Amanhã nem vai parecer que eu estive aqui. Vida estranha.

Claro, deixei alguns dos trabalhos mais chatos para a minha substituta. Vingança.

Ganhei uma carta de recomendação muito bonita. Isso e sorvete, porque a Ju ainda não perdeu o costume de me levar guloseimas. Terminei o expediente bem tarde, o sol nem batia mais na pirâmide. Alguns colegas vieram me ver e abraçar, até que a última passou e as lágrimas finalmente me alcançaram. Desci, abracei a Ju de novo e me despedi do prédio já vazio.

Porta 5, Porta 4 (que já estavam funcionando de novo. Tudo vem e vai rápido aqui). Porta 3 e o ar livre. E quase três anos finalmente se fechando atrás de mim. A fonte, o clube, as árvores, a Porta X (esqueci de contar essa, fica entre a 2 e a 3. Digamos que é a Porta 2,5). Tudo parecia vazio e normal. E afinal, nem consegui me despedir dos jardineiros.

Entre a Porta 2 e a 1, me lembrei do meu crachá. Tirei-o como quem se despe de uma identidade. Entreguei para um dos guardas, que perguntou se era para guardar no cofre até segunda-feira. Não, pode devolver. Dessa vez nem precisa guardar a foto. Entrei ali nessa manhã como Temp 1 da Embaixada Britânica em Brasília, e saí só como Talita.

Foi bom.


Um grande PS:

A carta da Ju (que vai me matar por postar, porque ela lê este blog):

“Um dia estou quieta no meu canto e chega uma estagiária com cara de moleca, sem pretensões e que ligava quando a coisa apertava para perguntar como se dobrava uma carta. Depois foi chamada para trabalhar na recepção... e para substituir o tradutor... E mais uma vez para ajudar a XXX... E assim foi ficando, fazendo amizades, mostrando que, apesar da pouca idade e da cara de menina, é muito rsponsável e já sabe agir como uma pessoa adulta (tá, exagerei aqui... ).

Depois desse tempo todo só tenho uma coisa a dizer: essa menina conquistou não só a mim, mas todos ao seu redor. Com seu sorriso fácil e seu jeito atencioso, ela está sempre pronta para ajudar, para pegar no pesado ou até mesmo para fazer companhia em uma noite de semana e matar uma refeição para três de comida japonesa.

Talita, este é o nome dela – ou Tita para os íntimos como eu. Ela não sabe, mas também me ensinou muita coisa. Foi ela quem me deu e ainda me dá dicas de tradução quando preciso, que me ajudou a usar o database que mais parece um programa de sete cabeças. Foi a Tita também quem me mostrou o mundo da legendagem e me deu a chance de até ajudá-la com um ou dois filmes.

Outra coisa que a Tita não sabe é que hoje posso dizer que é a minha melhor amiga e que por um bom tempo tem sido a única.

Agora não vou vê-la todos os dias. Ela vai seguir seu caminho. Quem sabe um caminho longe daqui... Mas torço que tudo dê certo para essa garota. Ela merece tudo de bom que Deus tem lhe reservado.

Quem sabe daqui alguns dias não receberemos a noticia de que ela finalmente conseguiu aquele emprego na Google que tanto queria? Ou que abriu sua empresa de tradução e está ganhando muito dinheiro? Bem, só esperando para ver. Estarei aqui de dedos e membros cruzados para que tudo dê certo. E que, daqui a alguns anos, lembremos do que aconteceu e digamos que foi melhor assim.”

7 comentários:

Marcia disse...

Amiga,
Lendo o post eu tive vontade de ter estado com vc durante esse dia. Estar ao seu lado, sem falar nada, simplesmente estar...
Mas pensando melhor, acho que vc precisava passar por esses momentos. E só vc!
Afinal, esses momentos fazem parte da vida. Sao aqueles que muitas vezes detestamos, que trazem arrepios quando pensamos neles, mas os mais eficazes para trazerem crescimento, para nos descortinarem uma nova dimensão, com novas possibilidades.
Foi bom enquanto durou. E foi isso. Guarde de lá o que você teve de melhor: seus amigos e o aprendizado.
Com certeza a Talita que hoje passou pelas portas 1,2,3,4 e 5 não foi a mesma que entrou lá pela primeira vez.
E, com certeza, a Talita que vai acordar amanhã, será bem melhor do que essa que vai dormir hoje, porque aquela tem mais sonhos, mais desafios, mais vida para viver!
bjs!

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...


Bom, o que tinha pra falar sério, já falei, é só me levar a sério. Mas duas coisas engraçadar a ressaltar: a carta anônima e o fato da Marcia conseguir falar exatamente do jeito que escreve... rs Lendo o comentário eu consegui "visualizar" sua voz falando isso...

Lê Cami disse...

Acho que me senti como a Márcia: gostaria de ter estado lá com você. Mas, que graça você é: já que não estivemos, nos contou os detalhes que pôde, da maneira perfeita que sabe fazer quando escreve. (provavelmente, ainda vai lembrar algum detalhe que deixou passar e me contar quando nos encontrarmos pessoalmente).

De qualquer forma, sua avaliação é correta não apenas quanto ao trabalho. "Strong" é uma característica que você tem apresentado em várias situações, sabia disso?

Quando começamos a andar juntas, você dizia sempre "abstrai", em relação às situações estranhas. Mas você mesma nunca "abstraiu" de nada. Não te vejo fugir, mas encarar. E agora, minha amiga, é hora de encarar novas possibilidades. E para esses novos episódios, continuaremos presentes, ainda que em forma de comentário no seu blog.

Um abraço apertado, que pretendo entregar quando tivermos oportunidade.

Beijo.

Rafa disse...

Incrivel, mas esse final de temporada foi emocionante. Estou bem ansioso para saber o que as proximas temporadas te reservam... e sei que o seu Roteirista esta preparando várias surpresas!!!

Anônimo disse...

Cena 19 Final de um capitulo...sim esse se foi e outros virao com certeza!

Aguardo suas noticias, espero rever-la logo em breve!

There is a bright future ahead of you. Did I ever tell you that you are special? Well you are most certainly! You are special to many of us, especially to GOD.
May HE keep you and bless you wherever you go!


Valeu Tita!
Bjao!
Juliano

Unknown disse...


Quando os produtores desse filme/barra vão sair da greve?!

Caraca, quanto tempo entre cenas e capítulos... Atualize já!

beijos, ricardo